Hanna Arendt, no livro Eichmann em Jerusalém, constata que o mal é produzido entre os homens comuns e suas relações. O mal é organizado entre os homens e realizado pelos homens. Pouco compreendida na época, sua tese confirma-se plenamente em 2023, ano que veio para mostrar que a cultura da morte, de ódio sem sentido, da segregação está cada dia mais presente e ultrapassa a capacidade de compreensão humana.
Nos limiares do século XXI, imaginava-se, ingenuamente, que os horrores vividos pela humanidade até aqui estavam apenas nos livros de história. Acreditava-se que a guilhotina da Revolução Francesa, o pesadelo nazista, os horrores da Rússia Soviética, o Holodomor, os gulags, os genocídios ainda seriam exemplos vívidos da barbárie humana. Por isso, não se repetiriam.
Porém, no primeiro trimestre de 2020, os respingos do totalitarismo começam a tomar forma, e seus tentáculos não mais se escondem. Em nome de um pseudo “bem-comum coletivo”, tiranos despiram-se da máscara para deixar crianças sem escola, adultos sem trabalho, enfermos sem tratamento. Em 2023, a prática se aprimora quando se instala a punição sem crime, a prisão sem defesa, a boca sem voz, a morte de preso, encarcerado sem julgamento.
O culto à morte se acentua com a militância pelo aborto, com a normalização da pedofilia, a eutanásia de velhos e doentes, a relativização da vida, cujo exemplo maior ocorreu com o assassinato, por decisão judicial, da pequena inglesa Indi Gregory, por ser portadora de doença incurável. Tudo isso escancara verdades aterradoras: a debilidade moral dos homens, a visão distorcida da dignidade humana. Está escancarada a decadência da civilização.
Mas o ápice (ou veremos coisas ainda piores?) foi o outubro negro, quando, pela primeira vez, facínoras gravaram e espalharam pelo mundo imagens de assassinatos em massa de jovens, de estupros coletivos, de decapitação e mutilação de bebês que foram, inclusive, assados em forno, estando ainda vivos. É possível imaginar tamanha barbárie? É possível imaginar a dor de uma criança que teve o antebraço descascado até chegar ao osso? Grávidas foram evisceradas vivas para a retirada de bebês, pais foram mortos na frente dos filhos, pessoas foram obrigadas a transmitir seu próprio assassinato pelas redes sociais.
2023 foi o ano em que o horror, a capacidade humana para a maldade atingiu um novo patamar. Então, faz-se necessário perguntar-se:
Como um indivíduo consegue assistir passivamente à putrefação da humanidade?
Em que momento da história os homens abriram mão de todas as objeções morais, éticas ou religiosas?
Como sair do inferno em que a humanidade se colocou?
Ayn Rand diz que “pode-se ignorar a realidade, mas não se poderá ignorar as consequências de tê-la ignorado”. Portanto, é necessário levantar-se contra este mundo selvagem, violento, animalesco. É imperioso lutar contra toda esta maldade, sob pena de nada sobrar para a próxima geração.
É dever de todos encarar a realidade e buscar as verdadeiras causas desta destruição da humanidade, mesmo que ela seja desconfortável e coloque cada um como conivente do caos por ter aberto mão de educar os filhos dentro de princípios morais. O certo e o errado não são relativos, não dependem de um ponto de vista. Quando se permite que a linguagem, as tradições, as noções de hierarquia, os personagens heroicos da história sejam profanados, coloca-se em risco todo o avanço civilizatório conquistado até aqui.
As gerações devem ser educadas para a preservação e respeito à vida humana, e a sua preciosidade deve ter a primazia sobre todas as outras coisas. Ou a corrosão da alma já é fato consumado? O fato é que a visão puramente materialista – o cerne de ideologias nefastas −quer tirar do homem o seu espírito e a sua transcendência, para que a vida humana nada valha. Já dizia G.K. Chesterton: “Onde quer que haja adoração a animais, ali haverá sacrifício humano”. Não há dúvida de que se está neste momento.
A defesa dos valores civilizacionais deve ser tarefa de cada um e deve começar agora. Não pode ser um propósito apenas para o ano de 2024. É imperioso fortalecer o espírito e o físico para lutar (de fato) para salvar a humanidade. Porém, isso só acontecerá se educarmos homens para serem fortes e com valores. Sobre isso, diz Thomas Sowel; “Se você não está preparado para defender a civilização, então, esteja preparado para aceitar a barbárie”.
A atitude de cada um diante da injustiça, da maldade, da selvageria dos carrascos do século XXI definirá o futuro da humanidade. Se nada for feito, o que Hannah Arendt descreveu sobre o Tribunal de Nuremberg perpetuar-se-á, e a maldade continuará a ser assistida passivamente. Estará decretado, então, o fim da civilização.